Retrocesso no Congresso?

Apesar da grande votação de candidatos conservadores, os partidos de direita apenas estancaram a decadência que registravam desde os anos 1990. Entenda a disputa das pautas entre as bancadas e os partidos considerados de direita, centro e esquerda que podem surgir na próxima legislatura

Por Tânia Caliari, Retrato do Brasil

A avaliação de Antonio Augusto Queiroz sobre os resultados da eleição para o Congresso Nacional, particularmente para a Câmara dos Deputados, feita ao jornal O Estado de São Paulo dias depois do pleito é de gelar a espinha de qualquer eleitor mais progressista. “O novo Congresso é seguramente, o mais conservador do período pós-1964”, disse Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Desde 1983 o Diap acompanha, analisa, e avalia a atividade parlamentar no País, sobretudo do Congresso Nacional, para orientar com informação qualificada a atuação dos trabalhadores nesse meio. O Diap é hoje constituído e bancado por cerca de 900 entidades sindicais, incluindo centrais, confederações, federações, sindicatos e associações de todos os estados do País. Para justificar sua avaliação, Queiroz apontou o aumento de militares, religiosos, ruralistas, e milionários eleitos deputados, representantes de segmentos mais identificados com pautas mais conservadoras, além da diminuição da bancada sindicalista que atua, em tese, em defesa dos trabalhadores.

Na Câmara Federal, segundo os primeiros levantamentos do Diap, os parlamentares de vários partidos que poderão compor a bancada evangélica passou de 78 para 82 parlamentares. Já em relação aos ruralistas, além da reeleição de 139 dos 191 deputados que formam a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), foram eleitos outros 118 parlamentares que têm afinidade com o setor. Se todos aderirem à também chamada bancada ruralista, o bloco pode chegar a 257 dos 513 deputados federais, segundo estima a FPA. Estaria havendo também a consolidação de uma bancada da “segurança”, que, formada por militares da reserva e ex-policiais militares, deverá ter ao menos 20 deputados. Por outro lado houve a diminuição em 50% dos deputados ligados aos trabalhadores. A bancada sindicalista cairá dos atuais 83 representantes para 46 a partir de 2015. “Este dado é extremamente preocupante, especialmente num ambiente de forte investida patronal sobre os direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários no Congresso”, avaliou Queiroz em texto do Diap.

Apesar de evidências de retrocesso, Fabiano Santos, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e coordenador do Núcleo de Estudos do Congresso (Necon), considera que há nessa avaliação um certo exagero. Ele destaca em texto que uma análise sobre uma série temporal mais ampla é “suficiente para colocar em cheque o alarde sobre o tamanho do crescimento da direita parlamentar”. Santos e sua equipe avaliam a distribuição de forças políticas na Câmara Federal classificando os partidos como de centro, direita e esquerda. Sabe-se que este ano o eleitor levou à Câmara representantes de 28 partidos, contra 22 que compõem a atual legislatura, e as legendas consideradas de centro pelo estudo de Santos seriam treza: PMDB, PROS, PRB, PR, PSD, SD, PV, PEN, PTC, PMN, PSL, PRP e PHS. Os partidos de direita, dez: DEM, PSDB, PPS, PP, PTB, PSC, PT do B, PTN, PRTB e PSDC. E os de esquerda, cinco: PT, PC do B, PDT, PSB e PSOL. Esses blocos dividirão a futura Câmara em tais percentagens. Centro, terá 40,6% das cadeiras; Direita, 36,5% e Esquerda, 26,8%.

Queiroz, do Diap: “Congresso mais conservador desde 1964”

Os pesquisadores do Necon admitem que na comparação de curto prazo, destaca-se a diminuição da representação dos partidos de esquerda (que hoje é de 28,9% das cadeiras), acompanhada do crescimento das siglas de direita, mais expressivo entre os partidos pequenos (29,5%), e um relativo equilíbrio no centro (41,7%). Mas, segundo a análise, a direita teria conseguido, por ora, apenas estancar o declínio parlamentar que vem registrando desde o final dos anos 1990, quando ocupou 60,4% das cadeiras da Câmara em 1998. Aqui vale apontar que certamente a classificação de Santos e a correlação de forças no Congresso mudarão, caso vingarem as negociações atualmente em curso, segundo a coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo, entre PSB e PPS que estariam buscando uma fusão para ganharem peso no Congresso. Segundo a coluna, dirigentes dos dois partidos esperam concretizar a união em novembro, logo após o segundo turno. “A nova sigla manteria o nome do PSB e teria uma bancada de 44 deputados em 2015 – a quarta maior da Câmara, atrás de PT, PMDB e PSDB”. Além disso, o PSB tentaria incorporar ainda siglas nanicas, como o PEN e o PHS. Segundo o presidente do PPS, Roberto Freire, as conversas pela fusão começaram no ano passado, ainda com Eduardo Campos. “Será um reencontro ideológico e histórico das forças da esquerda”, diz Freire. Freire se diz de esquerda, o que contradiz a classificação do professor Santos, que aponta o PPS como uma partido de direita, que poderá se unir com outro de esquerda, o PSB, comprometendo totalmente a atual análise do Necon.

Pautas em jogo

Analisando a situação no Senado, a direita também foi vitoriosa, elegendo 10 parlamentares, enquanto a esquerda obteve nove assentos e o centro oito. Ao renovar apenas um terço das suas cadeiras, porém, o Senado terá a maior parte de seus parlamentares alinhados à esquerda, ocupando 35% das vagas. Ao contrário do que aponta Queiroz, do Diap, Santos conclui que “o resultado destas eleições apresentam o Congresso mais equilibrado da história recente em sua composição ideológica, com alguma prevalência da direita”. Santos destaca a importância do centro: “O futuro do centro e sua atuação num Congresso mais fragmentado definirá os limites possíveis da polarização ou da condução de agendas opostas, desenhando a direção da curva na trajetória de nosso sistema político parlamentar”.

Mas como se comportará o centro quando as bancadas temáticas suprapartidárias pressionarem por suas pautas? A bancada da segurança terá pela frente a defesa da diminuição da maioridade penal e da não revisão da Lei da Anistia. À bancada ruralista interessa retirar do Executivo e passar ao Legislativo a tarefa de demarcação de terras indígenas. Além disso, querem modificar o conceito de trabalho escravo. Os evangélicos de vários partidos unidos na bancada temática lutarão contra qualquer medida pró-legalização do aborto e de extensão de direitos aos cidadãos LGBT. Já os parlamentares identificados com as causas LGBT batalharão pela criminalização da homofobia e pelo direito ao casamento civil homoafetivo. O que resta da bancada sindical provavelmente não terá força para votar e aprovar a redução da jornada de trabalho e o fim do fator previdenciário, e terá de se desdobrar para esvaziar as tentativas, muitas vezes dissimulada, de desmonte das atuais leis trabalhistas.

Queiroz, por sua experiência à frente do Diap, sabe que essa bancadas não são homogêneas. Antes das eleições, Queiroz destacou em entrevista a Retrato do Brasil que em bancadas como da Saúde e da Educação parlamentares que defendem diferentes interesses só se unem em torno de uma única questão: a busca por mais recursos para esses setores. “Na Bancada da Saúde, por exemplo, tem um grupo que defende o serviço filantrópico que é ligado às santas casas, tem um grupo que é privatista, que quer viabilizar os planos de saúde e a medicina com lucro, e tem um grupo que se move em defesa do SUS. Na educação a mesma coisa, grupos que buscam fortalecer programas em parceria com escolas privadas, e outros que querem recursos só para educação pública e estatal. Eles quebram o pau no seu interior”. Queiroz aponta, porém, que mesmo agregando representantes de pequenos agricultores, a bancada ruralista é a mais organizada e coesa do Congresso e conseguiu firmar a pauta do agronegócio na agenda governamental.

Santos, por sua vez, chama a atenção para diferença entre conservadorismo comportamental e econômico. “Não é óbvio o alinhamento entre a direita comportamental e econômica em sua atuação parlamentar e na composição do governo”, diz. “Não raro, congressistas conservadores no âmbito dos costumes manifestam apoio à políticas assistenciais e à maior participação do estado na economia”, afirma, citando como exemplo a bancada evangélica. Além disso, Santos aponta que seria suspeito assumir que os parlamentares evangélicos de hoje sejam necessariamente mais conservadores do que católicos tradicionais dos anos 1990 em questões como aborto e casamento de pessoas do mesmo sexo.

Reeleitos: Feliciano por São Paulo e Bolsonaro pelo Rio

Um fator que certamente influenciou a percepção geral de que o novo Congresso será mais conservador é o perfil de vários deputados campeões de votos. Guilherme Boulos, professor de História e liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) escreveu em sua coluna online na Folha de S. Paulo que essas eleições revelaram eleitoralmente um fenômeno já presente na política brasielira: a ascensão de uma onda conservadora. “Conservadora não no sentido de manter o que está aí, mas no pior viés do conservadorismo político, econômico e moral. Uma virada à direita”. Ele cita como exemplo as votações expressivas da bancada da bala e de evangélicos fundamentalistas em vários Estados do país. “O deputado mais votado no Rio Grande do Sul foi Luis Carlos Heinze, que recentemente defendeu a formação de milícias rurais para exterminar indígenas. No Pará, foi o delegado Eder Mauro. Em Goiás, o delegado Waldir, com um pitoresco mote de campanha que associava seu número (4500) com ‘45 do calibre e 00 da algema’. No Ceará foi Moroni Torgan, ex-delegado e direitista contumaz. No Rio de Janeiro, ninguém menos que Jair Bolsonaro, que há muito deveria estar preso e cassado por apologia ao crime de tortura”, escreveu.

Tentando entender e explicar a boa votação desses parlamentares de perfil conservador, o jornalista Leonardo Sakamoto discorda das avaliações de que eles foram bem votados apenas por conta de suas pautas conservadoras. “O conservadorismo está presente nas bancadas paulista e carioca (e não é de hoje e nem apenas em partidos ditos de “direita”), mas não é elemento suficiente para explicar essas expressivas votações”. Para ele, um elemento importante por trás dessas grandes votações é o alto grau de exposição desses políticos na mídia. Para ela, “os três primeiros colocados para a eleição de deputado federal em São Paulo – Celso Russomanno (7,26% do total de votos), Tiririca (4,84%) e Marco Feliciano (1,90%) – bem como os três do Rio de Janeiro – Jair Bolsonaro (6,10%), Clarissa Garotinho (4,40%) e Eduardo Cunha (3,06%), souberam criar narrativas e fatos políticos que são um prato cheio para nós, jornalistas, ávidos por registrar e transmitir discursos que, por fugir do que acreditamos ser a forma tradicional de fazer política, chamam a atenção e produzam audiência”. Sakamoto aponta que a lógica funcionou para os dois lados. Tanto é que o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), que só se elegeu em 2010 puxado pelos votos recebidos por Chico Alencar, de seu partido, tornou-se o sétimo deputado federal mais votado do Rio de Janeiro (1,90%). Wyllys defende uma série de pautas comportamentais progressistas relacionadas com a defesa de minorias e dos direitos humanos, e se tornou um contraponto na Câmara a políticos como Bolsonaro e Feliciano, conquistando ele também um espaço importante na mídia e uma grande votação dos eleitores.