RB na China: o fracasso do lançamento do Cbers 3

Na manhã de ontem, a delegação brasileira assistiu extasiada à subida do foguete Longa Marcha 4B que carregava o satélite sino-brasileiro. Um hora depois, o choque: o gigante chinês não conseguiu colocar o Cbers-3 em órbita. Leia o relato de nossa repórter Tânia Caliari

Tânia Caliari, Retrato do Brasil 

O vice presidente da China Great Wall Corporation (CGWC) chegou à sala do hotel da base de lançamento de Taiyuan, no interior da China, onde a delegação brasileira aguardava seus pares chineses para comemorar o lançamento do satélite Cbers 3, e disse à queima roupa ao ministro brasileiro Marco Antonio Raupp, da Ciência, Tecnologia e Inovação: “O lançamento fracassou”. A informação deixou todos os presentes consternados.

Cerca de uma hora antes, eles haviam testemunhado a subida do foguete Longa Marcha 4B, que carregava em sua ponta o satélite sino-brasileiro de observação da Terra, com a missão de colocá-lo em órbita a uma distância de 747 quilômetros do planeta. Sob o frio de -6°C, chineses e brasileiros se reuniram em frente à sede da base, distantes a pouco mais de 1,5 quilômetro da torre de lançamento, e viram, às 11h26 (1h25 no horário de Brasília), o veículo lançador de 250 toneladas subir. Era o início da 35ª viagem desse consagrado modelo de foguete chinês desenvolvido pela Academia de Xangai de Tecnologia Espacial (SAST, na sigla em inglês), que até então colecionava 100% de sucesso em seus lançamentos.

O céu sobre a base era de um azul brilhante, mas a esperança de se ver a olho nu a separação do primeiro estágio depois de cerca de 2 minutos de voo não se concretizou: o foguete já ia alto demais. Aparentemente, o lançamento havia sido bem sucedido e a satisfação era geral, sobretudo entre os 12 funcionários do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que haviam trabalhado na integração do Cbers 3 na China nos últimos meses e que até minutos antes da subida do lançador estavam junto ao satélite checando suas condições para entrar em órbita.

A seguir, todos foram para o hotel da base, onde haveria solenidade, discursos e uma primeira avaliação dos resultados. Ainda a bordo do micro-ônibus, 14 minutos após o lançamento, veio a informação por rádio, traduzida pelos jovens guias chineses, de que o satélite havia sido ejetado com sucesso do terceiro estágio do foguete e que a aba do painel solar, que recolhe a energia que alimenta o Cbers 3, havia sido aberta. Célio Vaz, ex-funcionário do Inpe, que estava no projeto Cbers em seu início, em 1988, e que hoje é dono da Orbital, a fabricante do painel solar, vibrou discretamente, aliviado.

Todos comemoraram – afinal, o satélite havia dado sinal de vida, emitindo dados sobre seu funcionamento, sinal de que os subsistemas de telemetria e de telecomando, os quais, junto com o painel solar e outros componentes, compõem a cota dos 50% das partes do satélite sob responsabilidade brasileira, também estavam funcionando.

O que teria acorrido a partir dessa etapa da operação que resultou na terrível notícia dada pelo funcionário da CGWC, a empresa responsável pelo lançamento do satélite? Os chineses pediram um momento aos brasileiros para analisar a situação. Leonel Perondi, diretor do Inpe, acabara de ligar para o instituto no Brasil para parabenizar parte da equipe que havia ficado lá, e agora os brasileiros em Taiyuan estavam envolvidos em conversas paralelas, sussurrando hipóteses, incredulidades e lamentos. Quando Antonio Carlos Oliveira, o Pinda, gerente do programa Cbers pelo Inpe, entrou na sala, Raupp se levantou e disse: “Deu zebra?”.

Cerca de meia hora depois, os chineses começaram a explicar a “zebra” em reunião da qual os jornalistas presentes foram convidados a se retirar. Envergonhados, os chineses pediram desculpas – a falha tinha sido do prestigioso lançador Longa Marcha 4B – e apresentaram as primeiras análises baseadas nos dados enviados pela telemetria do lançador e recebidas pelo centro de controle em Xian, cidade um pouco mais ao sul. Brasileiros e chineses decidiram, então, emitir uma nota conjunta anunciando o fracasso, que foi redigida dentro do micro ônibus que conduziu as autoridades de volta à cidade de Taiyuan, numa viagem de três horas (aqui a nota oficial). O comunicado é vago, não precisa a falha que ainda será alvo de profunda investigação por parte dos chineses, mas admite que o satélite não entrou em órbita e caiu na Terra.

No trem, na volta de Taiyuan a Pequim, em mais uma parte da viagem que deixaria todos exaustos, Perondi repassa a Retrato do Brasil detalhes da explicação dada pelos chineses. O problema do lançamento teria ocorrido no terceiro estágio do foguete. Os dados da telemetria demonstraram que os dois estágios anteriores haviam queimado seu combustível e sido descartados no tempo e na velocidade programados. O terceiro estágio, porém, teve um tempo de propulsão, de queima de combustível, 11 segundos menor do que o previsto, não atingindo a velocidade necessária para colocar o satélite em órbita.

O satélite viaja na ponta do terceiro estágio e quando é ejetado no tempo programado sofre a influência de duas forças contrárias. Uma é a da gravidade, que vem da Terra, e o faria cair. A outra é a centrífuga, que vem do movimento de girar em torno do planeta, que o faria desviar para o espaço. Essas duas forças, porém, entram em equilíbrio e se anulam se o objeto estiver em determinada velocidade, o que faz com que, nessa situação, o satélite passe a contornar a Terra. Com cerca de duas toneladas e a uma distância de 778 quilômetros do planeta, o Cbers 3 teria de estar a 7 quilômetros por segundo quando ejetado para ser colocado em situação de equilíbrio orbital, velocidade não atingida pelo terceiro estágio do Longa Marcha 4B. As causas determinantes do menor tempo de propulsão do terceiro estágio ainda não são sabidas e sua investigação perturbará o time chinês nos próximos dias.

“Pelos cálculos iniciais, o satélite reentrou na atmosfera na região polar sul, sem ter dado sequer uma volta na Terra, e certamente se desintegrou na atmosfera”, disse Perondi, atestando a perda de um dispositivo que levou sete anos para ficar pronto a um custo de cerca de 270 milhões de reais, e que significou uma série de desafios e superações para o Programa Espacial Brasileiro. Perondi pondera, porém, que mesmo o poderoso programa espacial chinês, assim como o americano, o russo, o europeu, pode ter falhas, e que nessa fronteira de conhecimento tecnológico o risco está sempre presente. O melhor a fazer é aprender com os erros, conclui o diretor do Inpe.